quinta-feira, 24 de março de 2016

Gelson Oliveira: “Eu vivi intensamente a minha infância”



Cantor é o convidado do Sopapo Poético para crianças e apresentará seu trabalho "O Ônibus do Sobe e Desce"

Gelson Oliveira é cantor, compositor, instrumentista e produtor musical. Natural de Porto Alegre, ele viveu por muitos anos em Gramado, onde trabalhou como artesão, chegando a entalhar em madeira vários Kikitos (Festival do Cinema de Gramado). Gelson também tocou em diversos “bailes da vida” e, animado com a cena musical da Porto Alegre nos anos 1970, resolveu apostar em suas composições. Voltando a residir na Capital, o ponto inicial de sua carreira como compositor foi em 1979, a partir do show “Lado a Lado”, que ele dividiu com o colega, na época também novato, Nei Lisboa. Os dois fizeram uma temporada no teatro do Clube de Cultura, com sucesso de público e crítica.

Passados 37 anos, Gelson acumulou, em sua carreira, muitos álbuns gravados, solo ou em parceria com colegas. Além de participações especiais em trabalhos de amigos, como Gilberto Gil, Chico César, Nei Lisboa, Borguetinho, Antônio Villeroy, Rosa Franco, Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, Giba Giba,  Luciah Helena, Zilah Machado, Rubens Santos e Paulo Moura. O CD infantil “O Ônibus do Sobe e Desce” é o atual projeto do cantor gaúcho, que já fez outros trabalhos direcionados para crianças, como a música “Papagaio Pandorga”, tema do programa Pandorga, da TVE.

No dia 29 de março, Gelson Oliveira participará do Sopapo Poético, que será voltado para as crianças. O Sopapo Poético conversou com o cantor, confira a entrevista concedida ao jornalista Airan Albino.

Como que tu conheceu o Sopapo Poético?
Eu já participei do Sopapo Poético com o Mombaça. Mas, na verdade, foi através do José Carlos Rodrigues que conheci o projeto. Eu conheço o Zé Carlos e a Marina Rodrigues faz muitos anos. Na época que eu morava em Porto Alegre, eu morei com o Rubens Barbô, bailarino e coreógrafo. E eu trabalhei muito com o Barbô. O Zé Carlos e a Marina estavam sempre presentes nos espetáculos do Barbô; ali a gente foi desenvolvendo uma amizade. Eles também estiveram à frente de vários eventos ligados ao movimento negro e, não sei o que me deu, eu passei a ir também. O Zé Carlos já tinha me falado do Sopapo Poético e a gente sempre tentou encaixar um dia para que eu conhecesse. Mas, por agenda, nunca casou de eu assistir. Daí, fui convidado para participar do Sopapo quando veio o Mombaça, do Rio de Janeiro.

Como tu avalia o Sopapo Poético? O que tu acha da proposta de projetos assim, que focam na cultura negra da Região Sul?
Eu acho que da mesma forma que artistas negros, individualmente, façam o seu o trabalho, é importante que tenha eventos que focam somente em gente que faça aquela coisa específica. Eu acho que isso coloca uma carga muito maior e eleva o trabalho do artista abordado. Eu acho importante as duas coisas, a gente tem que caminhar e, ao mesmo tempo, é bom saber que outras pessoas que passam pela mesma coisa se juntem e se fortaleçam. Eu, sempre que fui solicitado para engrossar alguma fileira, estive presente. Em espetáculos, dirigirindo, fazendo direção musical, produção, e de CD também. Aonde eu pude colaborar nesse sentido, sempre gostei, sempre deu resultado. Tá aí o exemplo da Banda do Dorinho, do CD do Rosa Franco, CD da nossa querida Zilah Machado. O espetáculo concebido e dirigido pela a bailarina e coreógrafa Heloisa Perez. Também trabalhei no espetáculo “Arte Negra do Sul”, que foi apresentado no Theatro São Pedro, muito bonito, lotado pra caramba. E ali tinha Zilá Machado, Mariete Fialho, Rosa Franco, Giba Giba.

E a ligação do teu trabalho com o público infantil? Tu fez a música que virou tema do programa Pandorga.
Bá, esse é um tema que me toca! No início do anos 80 eu fui morar no Rio de Janeiro, porque ganhei um curso especial, através do maestro Paulo Moura. Fui estudar na Escola Villa-Lobos. O Paulo Moura me conheceu durante o Festival de Cinema de Gramado, e aí a gente acabou tocando junto, dando uma canja. E a gente imediatamente fechou, nossos santos se entenderam. Durante esse período, no Rio de Janeiro, eu morava com uma tia e ela morava no Horto, Jardim Botânico no Alto. Daí, sempre quando eu via da Lapa, eu passava pelo Aterro do Flamengo e eu gostava de entrar no Parque Lage, achar algum banco lá e estudar o meu violão. Ali eu compus muitas músicas, naquela época. E um dia, eu passando pelo Aterro do Flamengo eu vi uma das coisas mais bonitas que eu já vi na vida que foi um festival de pandorga. Tinha pandorgas de todos os tamanhos e cores. Depois dali, eu fui para o Parque Lage e aí surgiu essa música, "Papagaio Pandorga". Anos depois, de volta a Porto Alegre, alguém da TVE me falou que estava sendo engendrado um programa infantil e que, talvez, o programa se chamasse Pandorga. E aí essa pessoa me falou assim: "eu sei que tu tem uma música que fala de pandorga, e eu já falei lá na TV que essa música é muito bonita. Posso botar como tema do programa?". Eu:"pô, pra mim é uma honra". Aí a música entrou no programa e já teve uma imediata resposta com o público, me mandavam cartas e tal.

Falando do projeto que tu vai apresentar no Sopapo, o "Ônibus do Sobe e Desce", tu tem uma ligação com o público infantil.
Então, desde aquela época eu pensava em fazer um trabalho dirigido às crianças. Aí acabei montando um espetáculo que se chamava “O Ônibus do Sobe e Desce”. Um espetáculo infantil que eu montei com um cantor e compositor, negro também, um dos caras mais talentosos que eu já conheci na vida, gaúcho de Porto Alegre que se chama Telmo Martins. O espetáculo foi apresentado em algumas escolas, esse é o embrião do CD. E as crianças gostaram bastante. Então quando eu pedi para fazer o CD, eu entrei no Fumproarte e não foi aprovado logo. Acho que tentei umas duas ou três vezes. E aí, na última vez, entrou. Eu utilizei poucas músicas do espetáculo, a maioria das músicas que tem ali foram as que eu fiz especialmente para o CD, acho que foi uma coisa mais fresca. E até porque a gente vai mudando a intenção, a maneira e a compreensão de compor para o público alvo, que eram as crianças. Respondendo sobre como foi para criar músicas para as crianças, é digo que é uma coisa que eu falo, que eu repito: ainda bem que eu utilizei a criança que eu não matei. Eu vivi intensamente a minha infância. E, para mim, isso é uma coisa que a gente leva para o resto da vida.

Das composições do "Ônibus do Sobe e Desce", têm alguma música que tu tenhas um apreço mais especial?
Tem aquelas que têm uma reação com o público, o "Cavalo Azul". A "Cavalo Azul" é uma música que as crianças adoram, é uma das mais cantadas e foi feita por causa de uma ideia de uma criança, parente do Nelson Coelho de Castro. Tudo começou assim: eu e o Nelson fomos convidados pra fazer um show infantil no Santander Cultural, na semana da criança. Então, ele tinha um espetáculo, "Cidade do Lugar Nenhum", e eu entrei com o pré "O Ônibus do Sobe e Desce", porque já era um projeto que vinha do espetáculo e que tinha algumas músicas. Daí nós misturamos os dois na apresentação, um tocava a música do outro. E aí, rolou essa ideia, "pô, nós temos que fazer músicas novas também". Daí eu: "tá, vamos fazer música nova. Mas precisamos de inspiração pra fazer novas composições". Aí o Nelson disse que um guri da família dele falou que tinha tido um sonho com um cavalo azul, que tinha um rabo comprido. Eu: "Bá, perfeito!". Assim eu fiz o "Cavalo Azul", um cavalo que entra como um protetor das crianças, um sentinela, um ser que protege as crianças. E é impressionante que as crianças captaram isso aí e acho que a própria levada da música, o ritmo dela e a melodia levam pra isso.

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